Em semana conturbada e de muito trabalho para a oposição, a Câmara derrotou o governo e rejeitou a proposta que instituía o voto impresso – eterna bandeira do presidente da República. Em outra frente de batalha os oposicionistas acabaram derrotados depois de muita luta, com a aprovação de medida provisória que inicialmente que renovava o programa de redução ou suspensão de salários e jornada de trabalho com o pagamento de benefício emergencial aos trabalhadores, mas se transformou em uma minirreforma trabalhista.
Com resistência intensa do PDT, o plenário ainda acolheu a reforma eleitoral. Depois de muita negociação, o chamado “distritão” acabou derrotado, mas passou a volta das coligações partidárias em eleições proporcionais – para deputados federais, estaduais e distritais (DF) e vereadores. Outro projeto relativo às eleições aprovado foi o que institui a figura das coligações partidárias. Os deputados ainda acataram no plenário a cassação da deputada Flordelis.
Voto impresso
A Proposta de Emenda à Constituição 135/19 (PEC do voto impresso) foi derrota com 229 votos favoráveis, 218 contrários e 1 abstenção. Para passar, o texto, que será arquivado, precisava de, no mínimo, 308 votos favoráveis. A votação da terça-feira (10) foi a terceira derrota do voto impresso na Câmara, já que o tema havia sido rejeitado em duas votações na comissão especial na semana passada.
Ao discursar contra a medida, o líder do PDT, Wolney Queiroz (PE), sustentou que o partido “não seria conivente com essa manobra diversionista que visa criar uma cortina de fumaça para as mazelas do Brasil atual e dar narrativa para os bolsonaristas questionarem o resultado das eleições do ano que vem”.
Dentre os problemas do país o líder destacou 560 mil mortos por covid-19, 15 milhões de desempregados, inflação, com aumento de quase 50% no preço do arroz, 40% no da carne e 25% no do gás de cozinha. “E diante disso tudo, pasmem, a pauta é o voto impresso”.
A proposta rejeitada determinava a impressão de “cédulas físicas conferíveis pelo eleitor” independentemente do meio empregado para o registro dos votos em eleições, plebiscitos e referendos.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) também já declarou não ter intenção de colocar a matéria em votação.
Reforma eleitoral
Prevista na Proposta de Emenda à Constituição 125/11, a reforma eleitoral foi aprovada em primeiro turno após acordo para retirar do texto a criação do chamado distritão. Contra a posição do PDT, no entanto, passou a volta das coligações para as eleições proporcionais.
O “distritão” é um apelido para o sistema de eleição majoritário, segundo o qual apenas os mais votados são eleitos nos seus distritos – no caso brasileiro, o estado. O sistema majoritário é usado atualmente na escolha de cargos do Executivo (presidente da República, governador e prefeito) e também para senador, mas a proposta o estendia para deputados federais, estaduais e distritais.
Para o pedetista Pompeo de Mattos (RS), o acordo para aprovar a proposta “envergonha a Câmara”. Na opinião do deputado, o distritão “foi o bode na sala para voltar com as coligações, que representam um verdadeiro golpe nas organizações partidárias”.
Sem forças para derrotar o projeto, o PDT conseguiu reduzir um pouco os danos. Por meio de destaque, o partido retirou da PEC a possibilidade de criação de partidos regionais. Ao defender a iniciativa, Wolney Queiroz destacou que partidos regionais só existiram na República Velha. “Não podemos permitir esse tipo de retrocesso, porque vai levar a um sistema partidário ainda mais fragmentado, que impedirá a formação de governos estáveis, e haverá uma crise política eterna”, argumentou.
A proposta prevê ainda a contagem em dobro dos votos dados a candidatas e a negros para a Câmara dos Deputados, nas eleições de 2022 a 2030, para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral).
O texto aprovado faz mudanças também na cláusula de desempenho e no acesso aos recursos do Fundo Partidário e à propaganda no rádio e na televisão. Atualmente, apenas aos partidos que obtenham um número mínimo de deputados federais ou uma percentagem mínima de votos válidos distribuídos em 1/3 dos estados têm direito a esses recursos.
A proposta prevê acesso ao fundo e à propaganda eleitoral por parte dos partidos que tenham ao menos cinco senadores. A intenção é ser uma alternativa à regra atual, que exige 11 deputados eleitos em 2022 e 13 em 2026. Nessa conta dos cinco senadores entram, além dos eleitos, aqueles que o partido já tem no Senado e cuja vaga não esteja em disputa.
Federações partidárias
Na quinta-feira, os deputados ainda aprovaram o Projeto de Lei 2522/15, do Senado, que permite aos partidos políticos se unirem em federação a fim de atuarem como uma só legenda nas eleições e na legislatura. A matéria será enviada à sanção presidencial.
Segundo o projeto, perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, de partido que integra uma federação. Hoje, a Lei 9.096/95 considera como justa causa o desligamento feito por mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; e durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição (seis meses antes do pleito).
Os partidos participantes devem permanecer na federação por um mínimo de quatro anos. Aquele que descumprir a regra não poderá utilizar o Fundo Partidário até o fim do prazo, além de não poder participar de coligações nas duas eleições seguintes.
Também serão aplicadas à federação de partidos todas as normas quanto ao funcionamento parlamentar e à fidelidade partidária. Entretanto, serão asseguradas a identidade e a autonomia dos partidos integrantes.
Minirreforma trabalhista
Com a aprovação do substitutivo do relator, deputado Christino Aureo (PP-RJ), à Medida Provisória 1045/21, a Câmara promoveu uma nova reforma trabalhista, conforme ressaltaram deputados da oposição. A versão original previa somente a recriação do programa de redução ou suspensão de salários e de jornada de trabalho com o pagamento de um benefício emergencial aos trabalhadores.
No fim, foi utilizada para criar programa semelhante ao Carteira Verde e Amarela, ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, proposto com a MP 905/20, que perdeu a vigência sem ser votada. Com a criação do Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), cria-se uma segunda categoria de trabalhadores, sem todos os direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, Decreto-Lei 5452/1943).
A proposta ainda institui o regime especial de trabalho, qualificação e inclusão produtiva (Requip), que não cria nenhum vínculo empregatício entre o trabalhador e o ofertante, assim como o programa de prestação de serviço voluntário em órgãos públicos, que também não garantirá nenhum direito trabalhista. Parte dos custos das empresas com as novas modalidades de trabalho será financiada com verbas antes destinadas ao Sistema S.
Quando ao programa de garantia de emprego e renda, a MP garantirá o pagamento de uma parte do seguro-desemprego ao trabalhador que tiver o contrato suspenso ou o salário e a jornada reduzidos. Inicialmente, as regras valerão por 120 dias contados da edição da medida provisória (28 de abril), e poderão ser prorrogadas pelo Poder Executivo apenas para as gestantes.
O valor a receber dependerá de quanto for a redução. Se o acordo entre empregador e empregado for individual, sem participação do sindicato, a redução só poderá ser de 25%, 50% ou 70%, tanto do salário quanto da jornada de trabalho. Nessa situação, se houver redução de 50%, o trabalhador terá direito a 50% do salário e a 50% do seguro-desemprego por mês. Como o seguro é calculado sobre a média dos salários, o valor não chega a ser o mesmo que o reduzido.
A MP também permite a redução de salário e jornada com percentuais diferentes por acordo coletivo, mas isso pode ser desvantajoso para o trabalhador. Se o acordo coletivo previr redução menor que 25%, o empregado não recebe nada do governo.
O benefício será de 25% do seguro-desemprego para reduções de 25% até 50%. Diminuições de salários maiores que 50% e até 70% resultarão em um benefício de metade do seguro-desemprego mensalmente. Redução maior que 70% do salário e da jornada de trabalho resultará em benefício de 70% do seguro-desemprego a que o empregado teria direito.
Quanto ao Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), será direcionado a jovens entre 18 e 29 anos, no caso de primeiro emprego com registro em carteira, e a pessoas com mais de 55 anos sem vínculo formal há mais de 12 meses.
A remuneração máxima será de até dois salários mínimos (atuais R$ 2.220,00) e o empregador poderá compensar com o repasse devido ao Sistema S até o valor correspondente a 11 horas de trabalho semanais por trabalhador com base no valor horário do salário mínimo (R$ 5).
No total, a empresa poderá descontar até 15% das contribuições devidas ao sistema de aprendizagem (Sesi, Senai, Senac, etc). Esse percentual vale para o bônus desse programa e também do programa de requalificação (Requip).
O governo poderá usar recursos do orçamento, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza para restituir os valores ao Sistema S.
Na rescisão do contrato, o trabalhador receberá a indenização do FGTS de 20%, demais verbas trabalhistas calculadas e poderá pedir o seguro-desemprego se preencher as regras de carência. Para os celetistas, a indenização do FGTS é de 40%.
No entanto, o trabalhador demitido sem justa causa não leva metade do salário a que teria direito até o fim do contrato, como previsto na CLT para os contratos com prazo definido de duração.
O total de contratados pelo Priore será limitado a 25% do total de empregados da empresa apurado a cada mês. Aquelas com até dez trabalhadores poderão contratar três pelo Priore. O programa terá vigência de 36 meses a partir da lei. Depois desse prazo, qualquer novo contrato pelo Priore passa a ser considerado por tempo indeterminado, sujeito a todas as regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Para o deputado André Figueiredo (PDT-CE), a aprovação dessas novas regras para o trabalho representa “mais um ataque aos direitos já precarizados dos trabalhadores brasileiros”. O parlamentar ressalta que agora “é a juventude que está sendo alvo de mais um ataque da sanha liberalista que, infelizmente, só vem tirando direitos e não vem gerando empregos”.
Destinado a quem está sem registro em carteira de trabalho há mais de dois anos, a jovens de 18 a 29 anos e a beneficiários do Bolsa Família com renda mensal familiar de até dois salários mínimos (R$ 2.220,00), a MP também cria o regime especial de trabalho, qualificação e inclusão produtiva (Requip). O programa prevê o pagamento de bônus pelo trabalho em jornadas semanais de até 22 horas (BIP) e de uma bolsa por participação em cursos de qualificação de 180 horas ao ano (BIQ).
Essa relação de trabalho/qualificação não será considerada para nenhum fim trabalhista, previdenciário ou fiscal. Assim o participante não contará com nenhum direito trabalhista porque o bônus e a bolsa são considerados indenização. Sobre esses valores não haverá descontos para o INSS ou de Imposto de Renda.
Da mesma forma que no Priore, o Bônus de Inclusão Produtiva (BIP) poderá ser compensado pelo empregador com os valores devidos ao Sistema S, limitado a 11 horas semanais, com base no valor horário do salário mínimo (R$ 5). No mês, o BIP máximo a compensar seria de R$ 225,00 (44 horas vezes R$ 5,00 por hora).
Já a Bolsa de Incentivo à Qualificação (BIQ) não será compensada, podendo ser maior por liberalidade do empregador.
Para oferecer vagas por meio do Requip, haverá limites em relação ao total de empregados regulares, incluindo matriz e filiais: 10% do total de empregados no primeiro ano; 15% no segundo ano; e 20% no terceiro ano. Aqueles que têm até 20 empregados poderão oferecer 20% de vagas pelo Requip, assim como as empresas com até 40 empregados.
Para funcionar por meio de convênios com os municípios, o texto aprovado ainda cria o Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário. Também sem qualquer tipo de vínculo trabalhista, o programa será destinado a jovens de 18 a 29 anos e a pessoas com mais de 50 anos, e terá duração de 18 meses em atividades de interesse dos municípios.
Da mesma forma que os outros programas previstos na MP, o selecionado deverá realizar curso de qualificação profissional. O monitoramento do programa será feito pelas cidades de forma informatizada.
Já a jornada de trabalho será de 48 horas mensais, limitada a 6 horas diárias por participante em cada pessoa jurídica de direito público ofertante. Esse trabalho deverá ser feito em, no máximo, três dias da semana, sendo permitida a prorrogação da jornada e a instituição de regime de compensação pelo município, nos termos de regulamento.
Entretanto, não poderão ser exercidas atividades privativas de profissões regulamentadas ou de competência de cargos ou empregos públicos ou atividades perigosas.
Os municípios definirão o valor a receber pela pessoa, não inferior ao salário mínimo hora (R$ 5), e a forma de pagamento de vale-transporte.
O texto aprovado ainda promove outras mudanças na legislação trabalhista, como nas regras para pagamento de prêmios disciplinados na CLT. A MP considera seu pagamento válido dentro de algumas condições, mesmo por fundações ou associações ou de forma unilateral pelo empregador.
Esse tipo de bônus deve ser pago exclusivamente a empregados e ser vinculado a desempenho superior ao esperado, avaliado exclusivamente pelo empregador, desde que o desempenho ordinário tenha sido definido previamente. A quantidade de pagamentos será limitada a quatro vezes no mesmo ano e a uma a cada trimestre.
A MP 1045/21 ainda altera a CLT para tornar a dupla visita do fiscal do trabalho uma regra para as micro e pequenas empresas, para as cooperativas com receita bruta anual de até R$ 4,8 milhões anuais, para outros locais com até 20 trabalhadores e acrescenta outros casos em que ela é aplicada para as demais empresas. Quando for editado novo regulamento, a dupla visita será aplicada por 180 dias. Atualmente, a CLT não fixa prazo.
Confira abaixo outros pontos do texto aprovado da MP:
– proíbe o juiz do trabalho de retirar pontos de acordo extrajudicial entre as partes, podendo apenas homologá-lo ou não;
– sujeita estabelecimentos que vendem produtos não alimentícios recebendo vale-alimentação às mesmas multas para empresas que descumprem as regras do programa;
– fixa em dois anos a vigência de termo de compromisso para o fiscalizado cumprir orientações sobre legislação de proteção ao trabalho, podendo ser estendido para cinco anos;
– cria ações especiais de fiscalização setorial para prevenir acidentes de trabalho, doenças ocupacionais e irregularidades trabalhistas com visitas previamente agendadas e sem auto de infração;
– estipula multa de R$ 800 para a micro ou pequena empresa e de R$ 3 mil para as demais, quando não for anotado o salário na carteira de trabalho;
– revoga dispositivo da CLT que proíbe os sindicatos de exercerem atividade econômica desde que não configure ato de concorrência às empresas que integram a respectiva categoria econômica;
– em ações previdenciárias e relativas à assistência social, a MP torna facultativa a indicação de assistentes técnicos pelas partes para acompanhar exame técnico pericial.
Cassação de Flordelis
Com 437 votos favoráveis, 7 contrários e 12 abstenções, o plenário aprovou também na semana a cassação de Flordelis (PSD-RJ). Para cassar o mandato, são necessários os votos de pelo menos 257 deputados (maioria absoluta) em votação aberta e nominal. A agora ex-deputada é acusada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro de ser a mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, em junho de 2019, em Niterói (RJ).
O relator do processo no Conselho de Ética, deputado Alexandre Leite (DEM-SP), considerou que Flordelis usou o mandato para coagir testemunhas e ocultar provas. Ele ressaltou que a análise se limitou a fatos considerados antiéticos, sem entrar no mérito de quem é o culpado da morte do pastor Anderson do Carmo.
Além de perder o cargo, a deputada ficará inelegível por determinação da Lei da Ficha Limpa. O suplente que assume o mandato de Flordelis é Jones Moura (PSD).
Com informações da Agência Câmara de Notícias